7 de novembro de 2016

Sobre a Fátima, o Willian e os fins



Faltou que eu virasse do avesso, de tanto rir dos memes que envolviam o fim do casamento da Fátima Bernardes e do Willian Bonner. Enquanto me divertia com as piadas, entretanto, ouvi algumas coisas que me chamaram a atenção.

Primeiro, vários amigos dizendo que estavam sentindo culpa por rir da desgraça alheia. Segundo, criticas por estar rindo sobre o fim de uma família. Terceiro, amigos realmente apreensivos sobre não poder mais acreditar no amor.

Ora, me pergunto. De qual desgraça, afinal de contas, eu ria? Eles comunicaram que continuavam amigos, tiveram três filhos lindos e aparentemente tem toda estrutura necessária para lidar bem com os contratempos que, fatalmente, virão. Desgraça por quê, então? Por não ter sido eterno? Que mania besta, essa do ser humano, de exigir eternidade das coisas, nesta vida tão finita. Fins não são, necessariamente, desgraças. A vida é cíclica, e não há nada mais natural nessa vida do que fechar ciclos.

Na verdade, o grande sofrimento existe justamente porque não aceitamos que a vida é esta dura realidade que enxergamos. As pessoas são falhas. As pessoas mudam de ideia. As pessoas brigam. As pessoas mudam de sonhos. Somos pessoas. O que causa dor, não é o amor, mas o ego (ferido). Amor não dói.

Envelhecer ao lado de alguém não é romântico. É algo romantizado por nossa cultura, que nos imerge em uma fantasia, uma ilusão de eternidade quando, na verdade - sejamos sinceros - dificilmente os casais envelhecem juntos. E aqueles que o fizeram, raramente o fizeram por amor. Se eu não desejo isso pra mim? Ora, mas é claro! Mas não seria muito cruel com todos nós, humanos, acreditar que o amor só "deu certo" quando se encaixou em uma exceção tão rara?

Isto não é um culto à liquidez das relações modernas - não. Mas é necessário ter coragem para aceitar que muitos casais, nos tempos antigos, envelheciam juntos, mas amargando traições e até violência doméstica em nome da manutenção das aparências e de uma falsa estrutura de família. Isso sim, é triste. Isso sim, é desgraça.

Romantizar eternidades e demonizar o fim é colaborar para relacionamentos abusivos. É reafirmar a ideia de pessoas vivendo insatisfeitas, na busca de um ideal. É recusar renovações - e até recomeços, dentro do fim - porquê não?

Veja, eu não desacredito no amor. É bem o oposto. Aceitando que a vida é cíclica, que vivemos fins de todas as formas, todos os dias, nas nossas vidas, todas as histórias podem se tornar grandes amores. Acredito em vários "amores da minha vida". E vivo todos como se assim fossem. A graça dessa vida - a vida real - é poder sentir que uma aventura de 6 meses pode ter a mesma importância de um casamento de 26 anos. Cada um pelo seu motivo, pela sua história. E todas terão um fim: "Quem sabe a morte, angústia de quem vive / Quem sabe a solidão, fim de quem ama".

Aproveitando a referência a Vinícius de Moraes, devo dizer que sempre me intrigou que o meu poema preferido dele seja frequentemente alterado pelo jargão popular. Ele diz "que NÃO seja imortal, posto que é chama / mas que seja INFINITO enquanto dure." Contudo, reparo, por aí, que as pessoas volta e meia acabam dizendo "que seja ETERNO enquanto dure" Não. Vinícius não era poeta de eternidades. Não somos seres de eternidades. Não forcemos a barra. Somos seres fadados a fins - muitos fins - e recomeços. E não há nada, absolutamente nada de desgraça nisso.

É, na verdade, muito injusto conosco - possuímos corações tão vulneráveis, afinal - exigir que só seremos felizes se atingirmos a perfeição do para sempre. A vida é finita. E isso não é triste - isso é um convite incansável do Agora para que só o hoje seja, de fato, infinito (em plenitude).

Da mesma maneira, o fim de um casamento não é, de modo algum, o fim de uma família. Não sejamos tolos. Nenhuma família é aquela do comercial de margarina. Família, mesmo, é recheada de tios que nos presenteiam com novecentos primos, porque juntaram os filhos de uns três casamentos diferentes, um outro tio solteirão, uma outra tia que não é irmã de ninguém, mas se casou com o tio e apesar do divórcio todo mundo ainda ama e convive, e aquele ex-cunhado que ainda divide a guarda do cachorro da sua irmã. E isso não pode ser uma infelicidade. Essa é a vida real. E isso é uma delícia, sim.

A lição mais incrível que me foi ensinada no curso de Mediação Judicial foi a missão de passar para os casais em processo de divórcio que aquilo não era o fim de uma família - apenas uma reordenação. Ninguém deixa de ser pai, ninguém deixa de ser mãe, nunca. O amor entre um homem e uma mulher jamais será suficiente para limitar algo tão incrível quanto o amor que liga uma família.

E, da mesma maneira, é muito injusto, conosco, fazer acreditar que a única família feliz é aquela com eu, você, dois filhos e um cachorro.

Desgraça é ter de manter leis conservadoras pelo bem da família tradicional brasileira. Desgraça é não poder rir de nossas situações cotidianas, mesmo quando temos uma criatividade invencível de projetá-las em um acontecimento público de duas pessoas famosas. Desgraça é esperar, a vida toda, pelo amor perfeito, e se rebater burramente contra os inadiáveis fins.

Desgraça é desejar perfeição.

A vida, ela é só Graça.

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