7 de novembro de 2016

(Auto)crítica à Esquerda

                                     Adianto que entendo estarmos caminhando para a superação da dicotomia direita/esquerda, que considero ultrapassada. Utilizei essa divisão, no entanto, por razões óbvias de desenvolvimento do meu raciocínio e porque, afinal de contas, a dicotomia ainda existe na prática, em relação à alguns assuntos cujas pautas encontram-se nitidamente opostas.

Não sou expert em política, mas tão somente uma observadora atrevida do comportamento humano, de maneira que atribuo legitimidade a mim mesma para fazê-lo pelo simples fato de também o ser.

Minha mãe sempre diz “temos dois ouvidos para ouvir e apenas uma boca para falar”. Aqueles que me conhecem sabem que falho bastante nesse sentido, já que minha boca fala por três, com o volume de cinco. Apesar disso, neste momento político atual, tenho feito um esforço maior para adotar essa lição, na tentativa de não me apossar de opiniões tão rapidamente em dias tão críticos. Estamos todos vulneráveis e, por isso, escutar o outro lado, agora, me parece ser mais saudável do que produzir opiniões (e textões) de forma desmedida - ou desesperada. Contudo, cairei na tentação de romper este esforço pelo silêncio por acreditar que, desta vez, trata-se, também, de uma autocrítica.

É que, frequentemente, nos últimos dias, tenho me lembrado de 2013, quando protestos contra o aumento da passagem do transporte público levou uma parcela da população às ruas. No começo, moleques magrelos e pardos queimavam pneus no terminal da Praça A, revoltados. Mesclava-se nesse cenário os movimentos estudantis de esquerda que, apesar de marcarem presença todos os anos nas ruas, com a pauta do passe-livre na garganta, encontravam-se, de alguma maneira, mais agitados, naquele ano.

Lembro-me que, em 2013, estive em Brasília durante um dia inteiro e, ao chegar em Goiânia, passando pela Praça da Bíblia, fui surpreendida ao ver ônibus sendo incendiados. Desci na Faculdade de Direito da UFG, assustada, e pouco tempo depois soube que os manifestantes se refugiaram no pátio da Vetusta, perímetro de jurisdição Federal que serviu como abrigo contra a resposta violenta da PM. Nesse dia, inclusive, um cartaz singelo do portão daquela faculdade, que continha os dizeres “proibido a entrada de carro e moto” amanheceu acrescido de um trecho: “proibido a entrada de carro e moto E POLÍCIA”. Particularmente, registrei este fato como uma memória emocionante.

Lá em São Paulo, a Avenida Paulista encontrava-se igualmente frequentada por protestos de esquerda contra o aumento da passagem de ônibus, e lá repetiam-se as agressividades da Polícia Militar contra a integridade física de uma brava juventude. Num destes dias, Arnaldo Jabor soltou um célebre comentário a respeito da violência dos protestantes. Referindo-se ao ódio contra as cidades, Jabor afirmou que tudo aquilo não poderia ser “só por 20 centavos”.

Foi o suficiente para engrossar o coro das ruas. A partir de então, a vontade de responder que não era “só por vinte centavos” dobrou ou triplicou o número de jovens nas ruas gritando que não eram só por centavos, mas o que esses centavos significavam para o país, de onde eles vinham, para onde eles iam. Crescendo como um ser vivo, o “Gigante” teria acordado e digivoluído de “protesto” para “manifestação”.

Sobre isso, eu escrevi anteriormente. Faço algumas ressalvas sobre minhas palavras, inclusive. Mas, de maneira geral, A Revolta dos 20 Centavos levou jovens com outros anseios a caminharem ao lado do movimento passe livre. Entremeando-se ao movimento, trocaram o grito de guerra por clamores de “sem violência”, ampliaram a revolta contra o aumento do preço do transporte público e levaram-na para a educação, saúde, Dilma, Marconi e, a propósito, para a corrupção.

Era a direita transformando um movimento de esquerda em algo também seu.

Como já disse, naquela época, fiz duras críticas. Algumas bastante imaturas e outras que ainda considero pertinentes. Contudo, no contexto atual, observei o fenômeno por outro ponto de vista.

É que a esquerda, atualmente - e aqui não me refiro a nenhum partido, nenhuma pessoa pública, nenhum Willys e nenhuma Genro: me refiro a nós, jovens de esquerda, individuais, pequenos e desamparados de representação consistente - nós, esquerda, resistimos a somar aos gritos das ruas que, atualmente, vem deles: os "coxinhas".

Afirmamos, duramente, desde 2014, a recusa em caminhar ao lado de pessoas que clamam por intervenção militar, medidas de extrema direita, massacre das minorias, pautas fascistas e bastante cruéis para os subrepresentados.

No começo disso tudo, na ressaca das eleições, concordava e fazia coro a este repúdio. Jamais dormiria de consciência tranquila depois de ter caminhando pelo meu país ao lado de clamores pelo Bolsomito, Feliciano e Malafaia. Entretanto, assim como na época dos 20 centavos, as coisas mudaram. Temos um estopim. Estamos igualmente decepcionados com o governo. Temos nojo dos governistas que idolatram o Lula e o PT, mas sem perder o nojo das porcarias provenientes dos Cunhas, Aécios e afins.

Porém, ao contrário do que fizeram os "coxinhas", resistimos em tomar as vozes das ruas como nossa. Afirmamos e reafirmamos que aquela é uma manifestação de direita e que a ela não aderiremos.

Nós, que nos julgamos melhor informados, que nos avaliamos como mais politizados, observamos todo o contexto da manifestação pacífica da direita, regada a selfies, camiseta da seleção e boa relação com a polícia; e apenas tememos suas consequências fazendo textões de facebook (alá a metalinguagem hipócrita!).

Aliás, o que eu tenho visto, ultimamente, é uma vontade imensa dessa esquerda, sobretudo, da juventude, de ir pras ruas do seu modo - meio de semana, umas cartolinas, vinagre e muito cacetete no lombo - mas declaradamente afastada da outra parte. Achei interessante, inclusive, quando vi o seguinte recado: “Coxinhas, limpem o catupiry da pista que agora quem vai pra rua somos nós”.

Uma dicotomia ultrapassada.

Os "coxinhas", em 2013, pegaram um movimento com uma pauta bastante esquerdista (subsídio do Estado para passagem dos estudantes) e, ao somarem-se a ela, fizeram com que aquela massa também os representasse, abafaram o que não os interessava e buscaram nela a força para sua voz.

Hoje, 2016, presenciamos afrontas ao Estado Democrático de Direito, tanto na atuação dos Juízes-estrela quanto nas mil manobras repugnantes deste Governo Federal falido, mas assistimos de longe a "lanchonete inteira" tomar as ruas, agarrando-nos ainda à imagem desta ou daquela coxinha estragada, como escudo para não fazermos deste um movimento legitimamente tão nosso quanto: ao ponto transformarmos suas pautas e ampliarmos os decibéis das nossas vozes, combatermos porcos interesses por trás do processo de impeachment e clamores fascistas idiotas que tem buscado seu lugar lá fora.

Nesse ponto, creio eu, estamos pecando. Somente a nossa participação mudará o curso desse rio. Essa luta também é nossa.

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