29 de outubro de 2014

LUTO

"Está aí uma coisa que nunca saberei nem compreenderei - do que os humanos são capazes"
A morte, em A Menina que Roubava Livros 





Quando vejo a palavra LUTO, penso no meu tio, que se foi ano passado. Quando ouço a palavra LUTO, lembro da minha querida amiga perdendo o pai antes de ela se formar. Penso em uma outra amada amiga que perdeu o pai ainda criança. Quando leio a palavra LUTO, penso no meu amigo perdendo a avó para o câncer. Penso na minha avó, que não conheci.

A dor do luto é a dor mais profunda que se pode sentir. É uma dor de saudade eterna (como pode uma saudade que nunca acaba?!). É a dor da única certeza que temos na vida. Não adormece nunca. Dorme e acorda do lado. É a dor que vem depois do último suspiro da esperança. A dor do LUTO está em cada canto da casa, em cada cheiro, na cadeira vazia. A dor do luto é dor doída, é uma dor incrivelmente íntima, totalmente particular. Cada um tem o seu luto porque cada um terá sua despedida de uma maneira. A dor do LUTO não sai se anunciando por aí. É a dor de assinar o decreto de adeus irrecuperável.

Quando conta a história de Liesel, a morte alerta que não sabe ser simpática. A morte causa uma dor revoltante, um grito que jamais acaba de sair da garganta. O último adeus nunca quer terminar. Não desejo pra ninguém a sina da Menina que Roubava Livros. Ninguém precisa ser visto três vezes pela morte para saber a imensa dor do para sempre: LUTO.

Quando vejo as pessoas decretando LUTO porque Dilma venceu as eleições, sinto que uma parte de mim foi invadida. Desrespeitada. Como se zombassem da minha dor. Como se fosse uma saudade banal.

Um processo democrático - construído, inclusive, sobre o luto de famílias que tiveram vidas ceifadas pela Ditadura Militar - não deve nunca ser comparado com a morte. A dor de receber um resultado que representa a vontade de mais da metade de um país não será jamais equiparável à dor do Adeus. O LUTO nunca será fruto da vontade de ninguém.

Entendo a dor de quem discorda tanto, tanto!, dos métodos da presidente Dilma, que sente de verdade uma decepção e questiona o futuro do país. Mas, desculpe, sua dor não pode ser tamanha. A dor do LUTO é a maior de todas e não cabe aqui. Não merece isso aqui. Não brinque com o LUTO, não subestime o LUTO de uma mãe que viu o filho morrer.

Morte. Um resultado irreversível. Um nó no estômago que nunca desatará. O Brasil não está de LUTO. Você não está de LUTO pelo país. Você pode estar decepcionado, preocupado, extremamente angustiado, triste de verdade, eu respeito. Mas você não está de LUTO.

Porque nada pode se comparar a perda de um ente querido. Porque esse resultado foi a vontade da maioria. A morte não é. Porque pode haver um lado bom. Na morte não há. Porque não é irreversível. A morte é. Porque veio de um processo democrático e justo. A morte jura que é justa (eu duvido). Porque você colocou a cabeça no travesseiro e dormiu. Quem está de LUTO não. Porque você não duvidou da justiça Divina. Quem está de LUTO ousou.

Não seja hipócrita. Decretar LUTO porque seu País não será governado pelo candidato que você deseja soa mais como uma reação de uma criança birrenta. Uma criança mimada e ingênua que acreditou quando a TV disse que revolução se faz nas urnas. Que acreditou que os dois candidatos tinham diferenças astronômicas (ah, e que criança ingênua...)!

Soa como se fosse o primeiro não que você recebeu na vida (para alguns não duvido que seja). Soa como imaturidade para a democracia.

Respeito sua dor, seu desespero. Respeito sua preferência política. Respeito sua revolta e de certa forma a compreendo. Respeito se você acredita que decidiram erroneamente.

Mas, por favor, respeite a saudade de quem se despediu para sempre. Essa dor é eterna, como a Morte.

8 de outubro de 2014

BURRO É QUEM ME CHAMA

Quando eu tinha meus 11/13 anos de idade mais ou menos, no auge da estupidez de pré-adolescente, existia, no horário do recreio, duelo de "tiradinhas".

"Burro é quem me chama"
"Eu durmo na cama cê dorme na lama"
"Cavalo que te ama"

Depois que passei da fase, olhei pra trás e, junto aos demais daquela época, reconheci que era um estágio bobo de quando surgiam os primeiros coleguinhas usando aparelho nos dentes e que teríamos que aprender a conviver com as diferenças e a dificuldade da aceitação.

Já grandinhos, fomos todos aprendendo que aquela agressividade gratuita guardava na verdade uma explosão de hormônios e novas  experiências que, ao serem mal interpretadas por nossas cabeças ingênuas, se transformavam na mais pura e natural "aborrecência". Coisas que se curam com a maturidade.

Ou talvez não. 

Porque, dez anos depois, quando já sou chamada de adulta por aí, me deparo nesse corredorzão que é o facebook, cheio dessa agressividade gratuita de novo: estamos nas vésperas do segundo turno das eleições.

A discussão política já se encerrou faz tempo. Talvez antes do término do primeiro turno. Temos agora um duelo de tiradinhas dos crescidinhos.

Já me cansei de explicar, em comentários, qual foi a origem dos protestos de 2013 e porque as pessoas ACHAM que ele deveria ter feito diferença agora. Não adianta. As pessoas não querem entender a origem e o contexto das coisas.

Já me cansei de explicar porque essa eleição me remeteu a um sentimento de fracasso tao profundo - desde a eleição do congresso mais conservador desde 1964 às opções " maravilhosas" que teremos em segundo turno em nível estadual e federal. Não adianta. Ninguém quer entender.

As pessoas querem estar certas. Elas não querem saber os defeitos dos candidatos que escolheram. Elas querem estar certas. Elas não querem ler sobre a economia, distribuição de renda, impostos ou educação. Elas querem estar certas. Elas não querem prestar atenção no que eles dizem, não só porque eles não dizem nada, ié ié. Mas porque elas querem estar certas.

A discussão entre petistas e tucanos já virou um grande "burro é quem me chama", " eu durmo na cama cê dorme na lama" já tem um tempo. Já está vazia e cheia de falta de bom senso.

A discussão politica me engrandece, me empolga. Eu gosto de saber das coisas. Aviso para todos que sou leiga para que todos queiram sempre me ensinar algo novo. Mas o mundo - já disse algum grande sábio da internet, nos tempos do aplicativo Lulu - "o mundo é uma grande quarta  série".

E na quarta série ninguém ainda está preparado pra eleger presidente. Mas estão todos extremamente afiados para o duelo de tiradinhas.

E burro é quem me chama.



20 de setembro de 2014

A fossa é produtiva



O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
(Fernando Pessoa)




 Oi, voltei. Receba-me como quiser, será justo. Estive ausente por tanto tempo! Mas olha, eu nunca te esqueci. Estive sempre pensando nas coisas que poderiam ser ditas a você. Até me perguntaram como você estava, inclusive. Esbocei um sorriso para dizer que você sempre esteve aqui, no mesmo lugar, e que estava bem.

Te fiz colorido como minha alma, e você tem essa aparência infantil, infantil como minha essência. Você é uma tradução de mim, uma exposição que eu escolhi. Dediquei a você cada sentimento que já conheci. Você é o tempo que eu escolhi para me voltar para mim, entende?! Perdão por te deixar de lado. Eu vou te explicar, me deixa explicar o que aconteceu. 

É que é a fossa que faz poesia, repara bem. Repara nas músicas sertanejas, nos sambas. Repara como eles tocam mais quando se queixam da dor. Repara como as letras do Renato são tristes. Repara naquela música que eu adoro "que todo grande amor, só é bem grande se for triste". Pode reparar até na foto de quem está na fossa. Dá identificar pela legenda: sempre haverá um verso profundo junto à selfie do dono de um coração que vai mal das pernas. Isso é porque é a fossa que nos faz colocar o pensamento pra fora. Você vê?

A fossa é escandalosa, está a todo tempo pronta para dizer as coisas. A fossa é um clamor das expressões, uma súplica para sair de dentro de si, de colocar pra fora, de jogar a culpa em alguém. De procurar, em qualquer linha, uma entrelinha que dê sentido para aquela dor. Não é a solidão, não é o sofrimento... É a fossa. Fossa tem nome próprio, não existe sinônimo. É o verso doído do refrão da música. Aquela parte que dá vontade de cantar bem alto. Que faz a gente bater a mão na mesa e virar um gole. Sabe?! Isso é fossa.

 Naquela última vez que eu apareci - uma fossa das feias - eu estava até chorando, mas você nem viu. E, desde o dia em que eu curei minha última fossa, eu sumi. Por isso eu sumi. É que com o passar do tempo, eu fui ficando tão bem! Eu fui para um lugar maravilhoso.  Estive com ótimas pessoas (depois te falo delas).  Isso tudo me trouxe muita paz. E quando o coração está em paz, vou te contar, tudo parece mais fácil. E de repente eu já não tinha muito pra dizer. Estava abrigada no silêncio calmo da minha alma.

Dentro do meu silêncio, eu queria falar sobre a copa, sobre as eleições, sobre amizades, sobre decepções, sobre o trânsito, mas estava tudo tão calmo que eu não precisava dizer nada. Eu via as coisas, no caos, entrando em minha mente e eu apaziguando-as sem precisar das palavras. E fui deixando levar. Eu só fui vivendo fui vivendo fui vivendo fui vivendo e esqueci das vírgulas. E era nelas que você se escondia. Nesse tempo seu, que era tão meu. 

E depois de um tempo de paz, vim pra te dizer, eu estou na fossa. Porque eu desaprendi a me ouvir. Eu vejo as coisas acontecerem, penso sobre elas e não sei qual a minha opinião. Logo eu, que adoro dar um pitaco, que sou cheia de coisas pra dizer, cheia de histórias para contar, calei minha tagarelice dentro da minha paz. E sabe "qual a paz que eu não quero conservar para tentar ser feliz"? A paz que me cala. Porque eu nasci para falar, falar muito, e você nasceu da minha necessidade de me expressar.

Estou muito feliz por estar na fossa novamente. E por isso, eu voltei. Peço, humildemente, que você aceite a minha volta.