30 de julho de 2012

Dica de Beleza


Eu não sei conviver. Sou boa filha, ajudo na cozinha, sou competente com minhas obrigações, notas altas, piadista, gosto de esportes. Mas não sei conviver. Isso de ser engraçado não tem muito a ver com ser bem humorado, aceitar as zombarias, os dias em que tudo deu errado, os pensamentos diferentes. A convivência é um duro fardo pra quem só sabe viver de um jeito. Não sei aceitar favores. Me sinto dependente. Nem sempre quero fazer favores. Me sinto mesquinha. Esses dias atrás, aprendi a respeitar diferenças. E agora, não sei tolerar quem não sabe fazer o mesmo.

Eu convivo com uma criança. Criança não calça o chinelo. Não guarda os brinquedos. Não pára pra assistir o jogo da seleção brasileira. Não fala baixo no seu ouvido. Eu convivo com a minha família. Família não tem cerimônia. Família pode entrar no seu quarto e sentar na sua cama - espera, tio, que essa colcha tá limpa! Família pode usar seu carro. Saber da sua faculdade. Saber dos seus novos namorados - na hora da ceia do Natal. Eu convivo com meus amigos. Amigos... que casaram com 18 anos, que nunca vão querer saber de casar. Amigo que não leva a faculdade a sério. Amigo que leva a faculdade a sério demais. Amigo que não quer ficar rico, amigo que quer ficar muito famoso. Amigo babaca. Todo tipo. Todos errados. Não tolero a forma de viver de nenhum deles. Não me levem a mal, amiguinhos.

Sei como é que faz pra ser boa filha, boa amiga, boa namorada, boa sobrinha. Mas só existe esse jeito. Não errem. Não encostem no meu celular, e tire já o dedo da tela do meu computador. Proteste com os grevistas da Federal. Goste de ler livros. Ouça rock. Só quem escuta rock é inteligente. Entenda de história. Boas pessoas sabem tudo de história. E tira esse copo sujo daqui, eu não gosto de bagunça.

E nem de ser velha assim.

Eu não tenho que estar certa. Eu tenho que estar em paz. Apontem os meus erros, eu posso te escutar sem me corroer pela sua crítica. Seja diferente de mim. Deixe o cachorro bagunçar a casa. Acabei de ler um texto do grande Carpinejar, publicado no jornal Zero Hora, em que ele respondia a uma menina que queria namorar sério com um cara. E nessa resposta ele disse pra moça ficar numa boa com seu rapaz. Que "Só a morte é séria. O amor é pra ser divertido".

Tudo é pra ser divertido. Pra quê que esse café foi cair na minha roupa, logo agora? Esse café me ama. Vou rir disso tudo. Muita gente não consegue emprego, é assim mesmo. Uma hora dá pra mim. E esse brinquedo aqui no meu caminho? Como é que brinca com ele? Estou sem grana de novo. Dançar na chuva é de graça?

Implique comigo, seu estressado. Eu é que não vou dar motivos pra minha gastrite. Agora eu sou "zen". Ouvi dizer que ser maleável e tolerante é bom pra pele e pro cabelo. E eu preciso estar linda amanhã.

27 de julho de 2012

TRAUMAS PÓS-MODERNOS

Antes de ir trabalhar, liguei a TV. Logo cedinho, já diziam que o trânsito estava caótico. Temeroso, saí de casa ciente de que um desastre poderia acontecer. Atropelaria, ou seria atropelado. Bateria o carro. O pior aconteceria. Quem sabe agora. Agora. Nada. Agora, então? Mais nada! Graças a Deus, não foi comigo!

Entrei tranquilo no elevador, com alguns colegas. "Bom dia", "bom dia". "Não tô gostando de andar de elevador não, cara. Ouviu dizer que um tanto de elevador andou travando por aí?" Um deles disse. Gelei minhas perninhas finas. Minha voz máscula desapareceu. O elevador não chegava nunca. "Será que travou?". Não travara. Mas logo travaria. Lera Guimarães Rosa na noite anterior: "O trágico não chega a conta gotas". Então vai ser é de repente. Não? Não travou. Foi um milagre.

Sentei na minha cadeirinha, eu estava uma pluma de tão leve. Até que alguém gritasse "desliga esse som aê, meu! Todo mundo preocupado com essa crise e você aí? Poxa heim!" Era comigo? Sim, era comigo. Uma vergonha, ignorei essa tensão mundial. Me pus a ler e reler os benditos gráficos. Crise, crise, crise. Estão todos sofrendo com a crise. Eu devo sofrer também. Ser solidário. Trabalhei em silêncio, fiquei triste, mas fazia o certo, claro. Luto coletivo.

Meio-dia. Era hora de sair para o almoço. Buzinei pro Mauro. "Bora Negão!". Eis que uma mocinha que passava parou. "Ôh mãe, aquele moço chamou o outro de 'negão'?? Ué, mas não é errado? Pode falar assim com os afro-descendentes, pode?" Com essa eu fiquei mal, dessa vez eu fiquei mal mesmo. Foi com um amigo, meu grande amigo, com quem errei desta vez. Vê-lo entrar em meu carro foi uma tortura. Ele foi capaz de me perdoar apesar da ofensa.

"Não vamos comer carne, né"? Não, claro que não. "Porque não?" pensei. Eu ia lá saber! "Agora sou vegetariano, meu caro. Vamos pensar nos milhões de vaquinhas morrendo por nós." Como eu nunca pensara nisto? Que egoísmo de minha parte. Mauro estava certo. Que coração bom o do meu amigão.

No restaurante, álcool em gel pra todo lado. "Passar bastante entre os dedos. Não utilize utensílios compartilhados". As recomendações rondavam minha cabeça. Quantas pessoas já não teriam usado aqueles talheres? "Gripe suína mata, ,gripe suína por toda parte. Gripe suína vai pegar você!". Quase morri - de fome. Não consegui comer nadinha. Não seria exagero, pois poderia me contaminar. Se comesse seria o meu último almoço. 

Saímos do restaurante. "Enfim, um ambiente aberto! Que abafado aquele lugar". Comentei e respirei fundo. "Ambiente aberto? E daí?" Mauro me reprimiu. "Olha pra este céu cinzento, esse mundo está poluído demais". Maurão tinha razão. Senti meu pulmão arranhando. Seria sintoma de uma pneumonia? Meu pulmão poderia estar cheio de resíduos tóxicos. Trabalhei o resto do dia tossindo. Mas terminou tudo bem.

Cheguei em casa, liguei a TV. Estava muito calor, mesmo a noite. A TV dizia: "você sabia que o seu cachorro é mais responsável pelo efeito estufa que seu próprio carro? A produção de ração emite mais CO2 que a queima de combustíveis fósseis!". Senti mal por alimentar o Half com ração. Eu sou um mau-caráter, não faço nada certo? Nada? Outra manchete: "Violência urbana continua a crescer vertiginosamente". Falta de ar, desespero, medo. Não resisti. Sofria uma crise existencial. Não sou capaz de fazer nada direito e seria assaltado no dia seguinte. Eu senti que seria. Pra quê viver? Subi na janela. Pulei. Levei o Half comigo. Era ele o culpado por aquele calor todo.





Escrevi esse texto no dia 29 de novembro de 2009. É um iniciador, já me serviu como grande estímulo. O meu preferido.

DOS RÓTULOS

Em cinco anos morando em Goiânia, nunca percebi risco de assalto andando de 006, 020, ou no Isidória, no terminal do Cruzeiro e no terminal da Praça da Bíblia, mesmo a noite. Ainda assim, quando mudei pra cá, fui instruída a segurar a bolsa e não conversar com estranhos nesses lugares.

Por outro lado, me disseram que me colocariam num dos melhores colégios de Goiânia no ensino médio, e disseram também que eu deveria estudar na melhor faculdade de Direito da cidade, por que era nesses lugares que estavam as pessoas melhor instruídas, com as quais eu deveria conviver.

O primeiro furto que me ocorreu foi de um livro de biologia, dentro do colégio em que estudava (que parece um shoping!), depois, um "chaveirinho da Kipling" e depois, um celular. Na grandiosa faculdade de Direito onde só estudam pessoas com considerável grau de discernimento, conhecimento e cultura, abriram minha bolsa, na minha ausência, retiraram carinhosa e educadamente 30 reais da minha carteira e levaram junto com um celular Samsung touch screen.

Hoje, estava só procurando por um pen drive perdido, quando ouvi de diversos colegas, diferentes histórias do tipo "já sumiu o computador da fulana aqui, sabia? O fulano também deixou o notebook lá na sala tal e quando voltou não estava mais lá". O mesmo tipo de comentário que eu ouvia no meu colégio de ensino médio. "Roubam livros pra poder ir pra festas, cê pira?".

Piro não. Vou aprender a lição de uma vez por todas. Se meu dinheiro caísse aqui no ônibus em que eu estou agora, alguém me avisaria: "moça, o dinheiro!" (sei disso por que já me aconteceu). Mas se eu deixar qualquer coisa de valor na faculdade de pessoas cultas e educadas em que estudo, devo estar absolutamente preparada para perdê-la. Os valores estão invertidos, me ensinaram trocado. As pessoas que me furtaram nesses recintos vão se formar e se tornar profissionais corruptos.

Os "malas" de Goiânia tem iPhone e tv a cabo em casa.

O começo

Ontem eu queria escrever sobre despedida. Eu fiquei bem triste com uma despedida que tive. Hoje, com a criação do meu novo blog, quis escrever sobre o começo. E acabei percebendo que o começo e a despedida são dois lados da mesma moeda. Despertam sentimentos opostos, mas com a mesma essência.

A despedida é uma saudade antecipada. Já se sente a falta que alguém vai fazer enquanto ela ainda está do seu lado. A dor vem antes do tchau. Difícil isso de ter de ficar longe de quem mais se quer estar perto. A gente imagina amanhã, depois, o entardecer e o anoitecer sem a pessoa que está ali, do seu lado. Dói, mas nada aconteceu ainda. Tudo vem de dentro, uma ideia de como poderia ser.

Não foi diferente, hoje. Um começo. Imaginar como poderia ser o blog em que escrevo agora. Que imagem combina com o que eu ainda vou escrever, que título combina com o que ele ainda não intitula. Qualquer começo é assim. Começo de namoro é sempre bom por isso. No começo de um relacionamento nos comportamos de acordo com aquilo que se pretende viver (e nem sempre o romance imaginado é compatível com o desastre que vem depois...). Constrói-se uma casa, mobilha-se, decora-se, pensando em como é que vai se viver nela, mas ninguém garante que vai ser daquele jeito mesmo. O homem tem essa mania de criar suas certezas. Na cabeça da gente, está sempre tudo pronto. A ansiedade é o futuro adiantado na nossa mente.

Por isso, são frustradas essas tentativas de "não criar expectativas". A imaginação é mais rápida que a razão. Os medos, as dores, e as alegrias, são todas projetadas antecipadamente. O começo desse blog me fez imaginar como ele seria, eu criei umas expectativas e ele já está diferente do que minha imaginação criou. Agora, vejo quem poderia estar lendo, quem me criticaria, que crítica faria? Como é que vai ser daqui por diante? A minha imaginação já criou uma resposta.

O começo é uma despedida daquilo que existia antes. Todo começo impõe um fim à estabilidade que precede os tremores das tentativas. Não me adapto bem às mudanças, admiro quem é maleável, mutável. Alguns começos são difíceis por que só existem quando outras coisas terminam. A verdade é que a gente tem que começar e despedir ao mesmo tempo. De quase tudo. Todo dia, de uma forma diferente.