20 de setembro de 2014

A fossa é produtiva



O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
(Fernando Pessoa)




 Oi, voltei. Receba-me como quiser, será justo. Estive ausente por tanto tempo! Mas olha, eu nunca te esqueci. Estive sempre pensando nas coisas que poderiam ser ditas a você. Até me perguntaram como você estava, inclusive. Esbocei um sorriso para dizer que você sempre esteve aqui, no mesmo lugar, e que estava bem.

Te fiz colorido como minha alma, e você tem essa aparência infantil, infantil como minha essência. Você é uma tradução de mim, uma exposição que eu escolhi. Dediquei a você cada sentimento que já conheci. Você é o tempo que eu escolhi para me voltar para mim, entende?! Perdão por te deixar de lado. Eu vou te explicar, me deixa explicar o que aconteceu. 

É que é a fossa que faz poesia, repara bem. Repara nas músicas sertanejas, nos sambas. Repara como eles tocam mais quando se queixam da dor. Repara como as letras do Renato são tristes. Repara naquela música que eu adoro "que todo grande amor, só é bem grande se for triste". Pode reparar até na foto de quem está na fossa. Dá identificar pela legenda: sempre haverá um verso profundo junto à selfie do dono de um coração que vai mal das pernas. Isso é porque é a fossa que nos faz colocar o pensamento pra fora. Você vê?

A fossa é escandalosa, está a todo tempo pronta para dizer as coisas. A fossa é um clamor das expressões, uma súplica para sair de dentro de si, de colocar pra fora, de jogar a culpa em alguém. De procurar, em qualquer linha, uma entrelinha que dê sentido para aquela dor. Não é a solidão, não é o sofrimento... É a fossa. Fossa tem nome próprio, não existe sinônimo. É o verso doído do refrão da música. Aquela parte que dá vontade de cantar bem alto. Que faz a gente bater a mão na mesa e virar um gole. Sabe?! Isso é fossa.

 Naquela última vez que eu apareci - uma fossa das feias - eu estava até chorando, mas você nem viu. E, desde o dia em que eu curei minha última fossa, eu sumi. Por isso eu sumi. É que com o passar do tempo, eu fui ficando tão bem! Eu fui para um lugar maravilhoso.  Estive com ótimas pessoas (depois te falo delas).  Isso tudo me trouxe muita paz. E quando o coração está em paz, vou te contar, tudo parece mais fácil. E de repente eu já não tinha muito pra dizer. Estava abrigada no silêncio calmo da minha alma.

Dentro do meu silêncio, eu queria falar sobre a copa, sobre as eleições, sobre amizades, sobre decepções, sobre o trânsito, mas estava tudo tão calmo que eu não precisava dizer nada. Eu via as coisas, no caos, entrando em minha mente e eu apaziguando-as sem precisar das palavras. E fui deixando levar. Eu só fui vivendo fui vivendo fui vivendo fui vivendo e esqueci das vírgulas. E era nelas que você se escondia. Nesse tempo seu, que era tão meu. 

E depois de um tempo de paz, vim pra te dizer, eu estou na fossa. Porque eu desaprendi a me ouvir. Eu vejo as coisas acontecerem, penso sobre elas e não sei qual a minha opinião. Logo eu, que adoro dar um pitaco, que sou cheia de coisas pra dizer, cheia de histórias para contar, calei minha tagarelice dentro da minha paz. E sabe "qual a paz que eu não quero conservar para tentar ser feliz"? A paz que me cala. Porque eu nasci para falar, falar muito, e você nasceu da minha necessidade de me expressar.

Estou muito feliz por estar na fossa novamente. E por isso, eu voltei. Peço, humildemente, que você aceite a minha volta.